Escrevendo Literatura Infantil
 



Dicas

Escrevendo Literatura Infantil

entrevista com Elaine Maritza


Escrever para crianças não é, como muitos pensam, uma tarefa fácil. Nesta entrevista, Elaine Maritza traz dicas e técnicas fundamentais para quem deseja escrever literatura infantil (ou literatura para a infância, como ela prefere).

Se você é de Porto Alegre, venha participar da Oficina "Leitura e Produção de Textos de Literatura Infantil", na Metamorfose Cursos, a partir do dia 8 de abril de 2019.

Elaine atuou durante mais de vinte anos como professora de língua portuguesa e literatura; desde 2004 trabalha com edição de livros e nos últimos anos tem, ainda, atuado como agente literária, realizando leitura crítica e agenciando textos junto a editoras. Sua experiência no mercado editorial é reconhecida pelos vários livros premiados - Prêmio Açorianos, Finalistas do Prêmio Jabuti, Catálogo de Bolonha, Selo Altamente Recomendável FNLIJ - e pelos livros selecionados por programas de compras governamentais como PNBE (Programa Nacional Biblioteca Escolar do Governo Federal), Programa Minha Biblioteca (Belo Horizonte - MG), entre outros.


Elaine Maritza (D) ao lado dos escritores Caio Riter e Isiara Caruso


Escrita Criativa: Qual a importância da literatura na infância?

Elaine Maritza da Silveira: Difícil uma resposta curta ou direta. Oferecer literatura de qualidade para as crianças desde muito cedo é abrir uma porta importante para o conhecimento do mundo, mas não o conhecimento das coisas práticas e sim o conhecimento sobre condição humana mesmo. O contato com a literatura de qualidade desde o ventre vai preparar a criança para as experiências da vida. Os textos e as ilustrações de qualidade serão espaço para a imaginação e a criatividade. Além disso (ou talvez principalmente), o contato com livros de qualidade vai permitir que leitores e leitoras tenham a oportunidade de se colocar no lugar do outro por meio do exercício de se colocar no lugar de personagens diferentes dele, leitor.

EC: Quem tem facilidade para escrever para adultos, vai ter facilidade ao escrever para crianças?

Elaine: Não. Escrever para a criança exige o olhar voltado para a infância. Quem quer escrever para a criança precisa estar conectado com a infância, mas não a conexão clichê de "voltar à sua infância" ou "buscar a criança que há dentro de si". Nem a conexão romantizada, que pensa a infância como período só de alegrias e brincadeiras e mimos... Para escrever literatura para as crianças é fundamental o respeito à infância e é preciso ter o compromisso de levar aos pequenos leitores reflexões que digam do ser criança e das emoções, dos sentimentos, das dores que acompanham essa fase da vida. É necessário que se perceba a criança como sujeito que pensa, que sente, que deseja, que se inquieta, que sofre!

EC: Qual é o maior cuidado que se deve ter ao escrever para crianças?

Elaine: O maior cuidado deve ser a não imbecilização do leitor. É comum que o adulto se coloque numa posição de superioridade, de alguém que "sabe mais" e que assume a posição de ensinar e, o que é ainda pior, de ensinar aquilo que ele acha que precisa ser ensinado, sem se abrir para entender as demandas da infância. O livro para crianças acaba se transformando num instrumento para "passar ensinamentos", sejam eles de conteúdos práticos (hábitos de higiene ou preservação da natureza, por exemplo) ou, o que é ainda mais nocivo à formação do leitor, as "lições de moral" mal fantasiadas em histórias que estão longe de cumprir o papel que a arte deve ter, de ampliação dos horizontes e de desenvolvimento do pensamento crítico. E é fundamental o tratamento que será dado à linguagem. Há, por vezes, uma tendência à facilitação, ao uso de diminutivos e, no caso da literatura para jovens, o excesso de gírias e o emprego de uma fala estereotipada.

EC: Qual a diferença entre literatura infantil e literatura juvenil?

Elaine: As diferenças estão no protagonismo, nos temas/assuntos que serão tratados e na forma como serão abordados. A literatura para crianças deverá ter o protagonismo da criança, a voz e o pensamento da criança, enquanto a literatura juvenil deverá ter o protagonismo do jovem, do adolescente. Não deve ser o adulto a protagonizar uma história que é "endereçada" à criança ou ao adolescente, porque é preciso haver identificação e eu usaria até mesmo a palavra interesse. A esse leitor em formação vão interessar histórias nas quais ele possa "colar nas personagens" e "ver-se na história", experimentando as situações como se fossem suas. E ainda mais complicadas são as histórias nas quais o adulto é quem vai apontar caminhos e soluções, reforçando a ideia de que a criança e o jovem nada sabem e que precisam do adulto para "guiá-los" pela vida. Quando eu falo em protagonismo, quero dizer que as personagens com as quais o leitor vai se identificar devem resolver as situações em que estão implicadas, encarando os medos, enfrentando dificuldades para poderem "crescer" e chegar ao final da história diferentes, mais fortes e mais capazes de encontrar soluções para sua vida. Se a personagem consegue - e ela tem a idade do leitor - esse leitor - a criança ou o adolescente - se sentirá empoderado ou, no mínimo, mais seguro para se arriscar diante das situações de sua própria vida.

Em relação aos temas/assuntos vale a mesma ideia. É preciso perguntar-se sobre o que a criança e o adolescente estão querendo ou precisando pensar/refletir. Há que estar aberto à escuta, ao diálogo sem preconceitos. Serão temas ligados à condição humana e ao "preparar-se para a vida". Alguns poderão se repetir como "o sentido da vida" ou "o medo da morte". Esses são temas que vamos encontrar em quase todos os textos para adultos, porque são inquietações que nos acompanham pela vida. O erro está em falar às crianças aquilo que os adultos entendem como "coisa de criança" ou aos jovens o que seriam "questões adolescentes" apresentando-lhes tais assuntos de maneira rasa, sem propor nenhum desafio que leve o leitor a desacomodar-se. É necessário levar aos leitores - todos os leitores - a possibilidade de olhar por outro(s) ângulo(s). Só assim a literatura cumprirá seu papel e os livros para a criança e para o adolescente não serão meros almanaques de conhecimentos práticos ou de valores morais. Mas, claro, embora os temas possam ser os mesmos para a infância e para a adolescência, o tratamento dado a eles deverá obedecer à faixa etária, no sentido de adequar a forma, a linguagem e a estrutura do texto ao seu destinatário.

EC: Ler livros infantis ajuda a escrever livros infantis?

Elaine: Ser leitor sempre precede o ser escritor. Em relação à literatura infantil, porém, há um enorme preconceito que vem do desconhecimento sobre o que é e qual a importância da literatura para a infância. O senso comum entende que é uma literatura "menor", facilitada, e que tem como objetivo passar conhecimentos e valores. Dito isso, a resposta é que é fundamental que quem quer escrever para crianças tenha uma bagagem de leitura importante, que conheça os grandes autores para a infância e que tenha lido boa parte das excelentes publicações disponíveis nas livrarias. E além de conhecer a boa literatura infantil, quem pretende escrever para crianças deve conhecer os teóricos e teóricas que estudam essa literatura. Há muito material e de excelente qualidade sobre o assunto.

EC: Nos livros infantis, as ilustrações são tão importantes quanto o texto?

Elaine: A ilustração é fundamental nos livros para a infância, mas vale ressaltar que a qualidade dessa ilustração é importantíssima. Também em relação à ilustração, há um grande desconhecimento, e o senso comum entende que a ilustração é mera reprodução das situações do texto. A ilustração deve ser também desafiadora e seu papel deve ser o de enriquecer o texto, trazer novos elementos à história e apresentar a esse leitor em formação técnicas e traços que surpreendam seu olhar. Eu penso que a ilustração que tem qualidade é aquela que faz a gente parar pra descobrir o que tem ali, aquela que faz a gente voltar pro começo assim que chegamos ao final do livro. Uma ilustração meramente reprodutora não cumprirá esse papel.

EC: Existem assuntos específicos para serem tratados com crianças?

Elaine: Há algumas "demandas" que são parte do universo infantil: o medo do escuro, a ida para a escola, a chegada de um irmão, entre outros tantos. Mas os "grandes temas", aqueles que dizem respeito à condição humana, as dores do existir, as dúvidas sobre o sentido da vida também são assuntos a serem abordados na literatura para as crianças e os jovens, uma vez que são seres humanos em formação e suas angústias são as mesmas de qualquer adulto, ainda que sejam proporcionais à bagagem e às experiências vividas.

 

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